quinta-feira, 2 de julho de 2009

RE: NOTÍCIAS

de: Luciano Bravo

para: Maurício Laurindo

data: 14 de março de 2008

assunto: Re: Notícias


Querido irmão,

Nesta manhã havia acordado pensando muito em vcs. Incrível como essas coisas acontecem, não é mesmo? Eu me comprometi a lhe escrever ainda hoje e, surpresa, vc foi mais rápido. Que sorte a minha, já que vejo que compartilhamos algo muito intenso e maravilhoso: a amizade!

Por aqui está tudo caminhando. Obrigado pela sua preocupação e pelo ombro amigo em todas as horas. Realmente a vida no Rio tem me agredido um pouco. E isso não é de hoje e vc sabe. Acontece que tudo aqui é diferente demais do que sempre vivi e talvez do como gostaria de viver. Os problemas começam logo na calçada: é o trânsito, a multidão na rua, o barulho insuportável, os encontrões, o desaparecimento. Também o próprio way of life me é estranho: as pessoas aqui acumulam os deveres de serem produtivas, competitivas, diligentes, muito bem informadas e atualizadas, impessoalidade, etc... muitos dogmas ortodoxos liberais, né?, como o pleno emprego dos fatores de produção, informação perfeita, racionalidade plena, objetividade.

Aliás, a objetividade deste povo é matadora: vc é o que vc faz, quem conhece e o que tem. Eu não sou nada disso e todos percebem e ou querem me traduzir nestes termos ou querem me excluir, pela ausência deles, impondo-me às suas sombras. Um pouco disso mesmo em casa... A fora isso, estou vivendo muito de improviso: moro num quartinho improvisado na casa de uma tia; arrumo minhas coisas (roupas, livros e cds/dvds) de forma improvisada, partilhando o guarda roupas de uma tia-avó e as estantes do quarto. O meu trabalho é legal, ganho bem pelo tanto que trabalho, mas, além de não ser suficiente para me proporcionar alugar alguma coisa e continuar vivendo por aqui até ir melhorando as coias, também é um bico, já que não quero nem posso ficar pensando em viver disso (professor só resolve os problemas da vida de seis em seis meses, é dependente da avaliação dos alunos, do coordenador, da diretora, dos colegas etc.), pois é um tanto quanto inseguro e instável (posso ter a minha carga horária diminuida ou aumentada sem mais nem mesmos; em ambos os casos reclamar nao adiante nada e pode significar demissão)... Não estou nem me esforçando para fazer amizades, pois as vezes acho que elas também serão improvisadas para o tempo em que estou aqui; garotas então... não tenho nem animo muito por conta de tudo disso também...

Percebeu que me resta pouco aconchego aqui, não é? Eu estou tentando descontar com muito estudo (apesar do cansaço), leituras (minha paixão como sabe) e algum cinema. Nos dois primeiros é fácil, já que não exigem companhia e assim eu tiro de letra; quanto ao cinema, estou ainda um pouco cabreiro, ja que ir sozinho é uma merda. Aliás, um pouco também para as outras atividades me falta interlocutor. Não tenho com quem discutir o que leio ou os filmes que gosto de assistir ou as musicas que gosto... mesmo aqui em casa, sou um estranho no ninho, já que os gostos e interesses dos meus primos e primas em geral divergem dos meus...

Outro dia, após um dia péssimo em que me frustrei muito tanto na redação da dissertação, quanto nas aulas que havia dado, pensei em mim daqui a uns 10 anos. Logicamente que ri da figura que moldei, assim como acho que vc vai se rir todo, advirtuo: me imaginada um senhor barbudo, vivendo de um serviço público medíocre que me permitisse pagar contas (inclusive da internet) e comprar livros e dvds, tendo uma mulher interessante e carinhosa do lado (agora sigo o conselho do Fred e quero uma mulher mineira!), vivendo uma casa modesta, plantando metade do que comeria: uma vida bem simples. Espere ai: seria quase um comunista: barbudo e vivendo do estado e da terra... hauhuahuahuhau

Impossível, realmente, me imaginar no futuro. Não sei mais o que será, antes imaginava muitas coisas legais. Hoje, não sei. Aliás, "não sei" é o meu bordão: não sei nem mais o quero. Mirella, minha prima, assim como Alochio me dizem que o problema todo é o mestrado e a pressão de acabar e superar isso. Pode ser, mas acho muito para atribuir apenas ao curso, que aliás, estou aprendendo a relaxar (agora apenas, na reta final). Sei que com o curso, as coisas mudam e as oportunidades surgem. O negócio é aguardar. Mas há uma questão de valores mais ampla ai, há um constrangimento esquisito que assombra a nossa profissão. Caso eu acabe logo, como espero, não sei se forço a barra para continuar aqui: a contratação e permanencia num escritório aqui é complicada, ainda mais para mim - acho que seria preferível ao escritório contratar um estagiário que conhece o sistema todo do que alguém de fora. Aliás, consigo contratação, mas para ser um numero no escritório, sem participação ou contato com os clientes...

Logico que tenho bons contatos e aliás, isso me motiva ainda um pouco. Conheço diversas pessoas que poderiam me catapultar aqui, como coordenadores de universidades e cursos, donos de escritórios etc... mas eles ficam a todo tempo me testando, o que denuncia um amplo desconfiar - generalizado na cidade diga-se de passagem. Mas vamos ver. Vou continuar sem fazendo planos que não sejam acabar o meu trabalho e perservar a minha integridade.

O problema também tem outra face: e se eu voltar para o ES, largo isso tudo? Faço o que? Ja mandei um curriculo para a UVV por via das dúvidas. Eles precisavam de professor de Direito Administrativo e eu contatei o Coordenador deles, mas a vaga era para começar esta semana - o que não posso fazer e largar a Candido, por questões éticas e compromissos assumidos.

Tenho uma novidade extra, e engraçada: estou participando de um programa de rádio. :D Tenho um amigo (este sim) que apresenta voluntariamente um programa jurídico na rádio catedral (isso mesmo, uma rádio da Igreja). Estou participando do corpo de debatedores. A minha estréia foi nesta quarta. Divertido. Espero que a MTV me descubra. :D

Acho que, e já concluindo, estou sofrendo com uma enorme ressaca do Rio. Passada a euforia, o que vem mesmo é a depressão. Como vc deve saber, terei contado?, estou fazendo terapia e isso tem ajudado, assim como o calmantezinho natural que anexei aos meus remédios habituais. Estou procurando saco e energia para fazer uma atividade física e melhorar outras coisas relacionada à qualidade de vida. Bem, eterna procura – no quarto escuro.

Espero que este e-mail o encontre bem, assim como a Rachel e o Rafinha. Saudades enormes de vocês e de toda a paz, alegria e espontaneidade que vcs espelham.

Beijos do Luciano

PS: A Priscilla, mulher do Alochio, está grávida novamente – será outra menina e se chamará Rachel!

Um comentário:

Irina Sopas disse...

Não tenho muitas palavras para descrever o que senti ao ler o seu texto. Acredite que moro aqui há 9 anos e ainda me sinto uma estranha, as amizades também me parecem improvisadas e o futuro muito contrário do seu, eu pensei em alguma ilha deserta, apenas eu, meus livros, quem sabe um amor.
O Rio de Janeiro é realmente a cidade maravilhosa, mas da mesma forma que as portas são abertas, elas são fechadas. O que me consome nesta cidade é que nada é para "sempre". As amizades são de momentos, os lugares são os que estão na moda, é complicado e muito delicado criar laços aqui. Eu sei o que sente e por isso estarei aqui sempre de portas abertas para qualquer coisa. Afinal também me falta com quem dialogar sobre o que leio, ou filmes que vejo. Cinema virou utopia.
Mestre: minhas portas nunca se fecharão...

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Rio de Janeiro, RJ, Brazil
O próprio indizível